O Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de que pelo menos dois ministérios driblaram o Orçamento e o Congresso Nacional para gastar mais em 2018, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, e ainda deixaram a conta para o governo Jair Bolsonaro pagar este ano.
A prática fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, e pode ser considerada crime contra as finanças públicas.
##RECOMENDA##Segundo documento obtido pelo Estadão/Broadcast, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC) executaram R$ 1,278 bilhão em despesas sem que houvesse autorização no Orçamento. Sem a dotação, os gastos não foram nem sequer alvo de empenho, que é a primeira fase do rito de gastos e sinaliza o reconhecimento daquele compromisso. Elas também escaparam de qualquer bloqueio nos gastos por falta de receitas.
Esses "esqueletos do Orçamento" foram descobertos pelo TCU porque as duas pastas registraram a dívida como passivo contábil no fim de 2018. No início deste ano, a cifra começou a ser empenhada e passou a ser paga pelo governo Bolsonaro por meio da rubrica Despesas de Exercícios Anteriores (DEA), geralmente usada em casos de exceção (como uma conta de luz que excedeu o valor previsto no último mês do ano, sem tempo hábil de ajuste) e com valores menos vultosos.
Só no primeiro semestre deste ano, o governo já desembolsou R$ 1,1 bilhão em despesas discricionárias (aquelas que o governo pode cortar ou remanejar) de exercícios anteriores, quase o mesmo que no ano inteiro de 2018 (R$ 1,2 bilhão).
O pedido de inspeção foi feito ao relator, ministro Bruno Dantas, responsável pela análise das contas deste ano, e deve avaliar ainda a conduta dos gestores atuais do Ministério da Cidadania (que incorporou atribuições do MDS) e do MCTIC diante da descoberta do passivo.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o ministro deve atender à solicitação para a nova inspeção. Dantas tem tido um alinhamento próximo com a unidade técnica do tribunal, como já aconteceu em outras questões, como a do bônus dos servidores da Receita.
O maior esqueleto foi deixado pelo MDS. De acordo com a Corte de contas, R$ 1,2 bilhão do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) ficou de fora do Orçamento em 2017 e 2018. A pasta chegou a solicitar no ano passado um crédito extra ao Congresso Nacional para conseguir executar todas as despesas previstas, mas não foi atendida. Técnicos veem a manobra como uma tentativa de "tocar a política pública na marra", contornando as decisões do Legislativo sobre o Orçamento.
Para se ter uma ideia, um terço do orçamento do FNAS no primeiro semestre serviu para quitar esses passivos. Mesmo assim, ainda resta um débito de R$ 938,3 milhões e não há espaço no Orçamento deste ano para sanar a dívida.
Outro lado
O ministro da Cidadania, Osmar Terra, que foi ministro do Desenvolvimento Social na gestão Temer, informou via assessoria que quitou em 2017 todos os repasses atrasados do Sistema Único de Assistência Social e realizou um repasse de R$ 2,9 bilhões para fundos estaduais e municipais da Assistência Social. "Já em 2018, os recursos alocados vinham apresentando uma significativa redução. O ministério, à época, adotou medidas para garantir a continuidade dos serviços ofertados pela rede", afirmou.
O ex-ministro do MDS Alberto Beltrame, que comandou a pasta de abril de 2018 até o fim do governo Temer, não retornou aos pedidos da reportagem.
A assessoria do ex-ministro Gilberto Kassab informou que "a execução orçamentária do exercício de 2018 sob responsabilidade da secretaria executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações seguiu estritamente a legislação vigente". Não tivemos retorno da gestão atual do MCTIC até o fechamento desta edição.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.