Tema surge no ano em que Bolsonaro tenta cortar recursos da Ancine. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
##RECOMENDA##Divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) às 14h30 deste domingo (3), o tema da redação do Enem, “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”, surpreendeu os realizadores pernambucanos. Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) propôs um projeto de lei que corta quase 43% do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para 2020, reduzindo a verba a R$ 415, 3 milhões. Bolsonaro envolveu-se ainda em polêmicas como o afastamento do antigo diretor da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Christian de Castro, e declaração de que alçaria um nome “terrivelmente evangélico” ao posto máximo da instituição.
“O tema impressiona e fico bastante feliz, porque a gente tem que refletir sobre a democratização do acesso, eu acho que é um tema fundamental, a cultura é necessária para a construção da identidade de um país. Os países que mais investem em cultura são aqueles que têm uma democracia mais segura, porque um país sem cinema é como uma casa sem espelho, você não tem onde se ver, se identificar, observar sua realidade e construir uma compreensão do que está no seu entorno”, comenta Marcelo Gomes, diretor de longas como Madame Satã (2002), “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009).
De acordo com a Ancine, apenas 17% das salas de cinema no Brasil estão fora dos shopping centers. “Neles, os ingressos são caros e maior parte dos filmes é de origem estrangeira. Quando comecei a fazer cinema no Recife, nos anos 1990, a gente montou um cineclube, porque nos cinemas do Recife só se passava filme americano. O México tem menos da metade da população do Brasil e mais salas do que a gente”, critica Gomes. Assim, o cineasta defende que é preciso expandir a estrutura de exibição do país. “Essa democratização do acesso se faz reduzindo o preço do ingresso e levando os filmes a bairros de periferia e a cidades do interior que ainda não tem um cinema sequer”, completa.
Carência nas cidades pequenas
“O Silêncio da Noite é Que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras”, de Petrônio Lorena, sendo exibido para 110 alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). (Secretaria de Educação e da Ciência e Tecnologia da Paraíba/divulgação)
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), até o ano de 2016, nenhuma cidade brasileira com até dez mil habitantes possuía uma sala de cinema. “É muito difícil ser produtor e distribuidor do seu filme, o maior problema para quem faz cinema é a escassez de salas e a concentração delas nas grandes redes. Há incentivo para produzir, mas não para distribuir. Um filme importante para o sertão, por exemplo, só vai entrar nas grandes redes se a gente pagar uma taxa muito alta”, lamenta Petrônio Lorena, diretor do filme “O Silêncio da Noite é Que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras” (2018), que aborda a poesia feita no sertão da região do Pajeú, entre os estados de Pernambuco e Paraíba.
“Filtros”
O produtor João Vieira Jr, da Carnaval Filmes, também ficou surpreso com o tema da redação, mas ressalta que não acredita que sua escolha se deu por envolvimento do Governo Federal. “Podem ser os próprios gestores do Inep tentando manter a autonomia e a independência do Enem. É um tema aparentemente neutro, mas favorece uma reflexão da sociedade como um todo, porque a Ancine está sob violento ataque”, pontua. O produtor lembra ainda que Bolsonaro chegou a defender a instituição de, em suas palavras, “filtros” temáticos às produções feitas com incentivo público. “Essas foram as ameaças mais sérias. Na verdade, esse termo “filtro” suaviza uma ameaça de censura. A Ancine fiscaliza e fomenta toda a produção audiovisual brasileira e um desses filtros seria o cerceamento à liberdade de expressão”, conclui.