Mais do que contar uma história, o cinema serve também para resgatar e reviver uma história. O documentário de Rithy Panh, A imagem que falta, se apropria da sétima arte para contar sobre a tomada do Camboja pelo Khmer Vermelho, em 1975 e 1979, que resultou num genocídio, vitimando dois milhões de pessoas. Rithy Panh tinha 13 anos quando Pol Pot tomou o poder e seu passado o inspirou para contar o que seu país viveu.
A partir de suas experiências pessoais, Panh resolveu produzir suas próprias imagens sobre os acontecimentos que assolaram não só ele, mas a muitas pessoas durante o massacre no Camoja. O documentarista materializou suas memórias em uma impressionante série de maquetes e miniaturas feitas à base de madeira que ajudam a criar um testemunho visual da época em que dois milhões de pessoas foram assassinadas.
##RECOMENDA##Com um texto duro e triste, o filme traz uma mensagem que está exposta no próprio título. É um documentário sobre a imagem que falta, sobre aquilo que a história mundial não expôs, por falta de registros, mas que ainda está presente na mente de quem presenciou momentos difíceis. Através dos dioramas, onde os bonecos parecem ter expressões próprias, o diretor recria cenas do cotidiano dos campos de trabalho, cenas de violência, a exploração infantil e a perda dos seus parentes.
Muito longe de ser um documentário convencional, o filme rompe barreiras prendendo a atenção do espectador de uma forma muito mais significativa do que um registro de imagens e depoimentos. Narrado todo em primeira pessoa, o filme funciona como um registro histórico, além da percepção sobre a própria vida do diretor através da combinação palavra e imagem, com uma sensibilidade peculiar.
É através do cinema que Rithy Panh consegue mostrar um outro lado da ditatura do Khmer Vermelho e da máquina de Pol Pot. Seus registros mostram que o início da revolução é o início da desumanização e da ideologia exacerbada nos campos de trabalho. Interessante perceber no filme que seu personagem (em boneco) não está vestido como os outros, de roupa preta, e sim com uma camisa colorida, como se estivesse participando e ao mesmo tempo observando com um outro olhar o que acontecia em seu país.
A revolução de Panh é o cinema, onde ele pode mostrar, a partir do que vivenciou, uma história real. O que propõe não é uma imagem, ou mesmo a procura de uma única imagem, mas a imagem de uma busca: a busca que só o cinema permite exprimir. A imagem que falta é uma obra singular, uma forma de unir mesmo com um passado sofrido, um homem à seu país de barbárie. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o documentário entra em cartaz nesta sexta-feira (21), no Cinema da Fundação.