O projeto de lei aprovado nesta semana na Câmara que autoriza a Petrobras a vender até 70% das áreas de cessão onerosa na Bacia de Santos (SP) mostra que várias das arestas que impediam a assinatura da revisão do contrato firmado entre governo e a petroleira há oito anos foram eliminadas. Os pontos em que não havia acordo tiveram critérios claros estabelecidos na lei e apontam quem ganhou ou perdeu em cada uma das disputas.
O acordo da cessão onerosa foi fechado pela Petrobras com a União em 2010 e permitiu à estatal explorar 5 bilhões de barris de petróleo em campos do pré-sal, sem licitação. Em troca, a empresa pagou R$ 74,8 bilhões. Nos anos seguintes, porém, a cotação do barril de petróleo caiu muito, motivada por tensões geopolíticas e preocupações quanto ao desempenho da economia, entre outros fatores.
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Em razão disso, a Petrobras alega que pagou à União um valor muito alto no acordo de 2010 e argumenta ter direito de ser ressarcida. O projeto trata exatamente das condições da revisão desse acordo.
Embora ambas as partes tenham cedido, o saldo é mais positivo para a Petrobras. A posição da Petrobras, desde o início, era mais confortável: caso o impasse da revisão persistisse, a União só poderia leiloar o óleo excedente (que ultrapassa os 5 bilhões de barris) ao fim do contrato da cessão onerosa, em 2050.
A lei deixa claro que a revisão do contrato vai considerar a existência de prejuízos fiscais acumulados pela Petrobras. Isso significa que a União terá de compensar a empresa pelas perdas que teve com essa operação até agora. Também foi atendida a demanda da Petrobras pelo abatimento do bônus de assinatura pago pela companhia para ter direito a explorar os barris da cessão onerosa.
Tributos
O bônus pago pela Petrobras será considerado um custo, o que diminui a quantidade de imposto que a empresa vai pagar à Receita. Ao permitir o abatimento do bônus ao longo dos anos, o contribuinte devolverá o valor que a Petrobras pagou pelas áreas na forma de desconto de impostos.
Em dois pontos de grande divergência e que envolviam grande impacto no valor a ser pago, prevaleceu a posição da União. A data da retirada do primeiro óleo e data de comercialização eram pontos-chave para marcar o início do cálculo do fluxo de caixa descontado.
A Petrobras queria que fossem consideradas as datas referentes ao último campo. Já a União queria a individualização das datas de cada um dos campos, pois isso faria com que o tempo entre a assinatura do contrato e a revisão fosse menor. Quanto menor o prazo, menor a desvalorização do dinheiro aplicado pela União e, consequentemente, menor o saldo a ser ressarcido à Petrobras.
Outro ponto resolvido no projeto de lei é a divergência no cálculo de gasto incorrido na exploração das áreas. O contrato foi feito de forma a garantir certa rentabilidade à Petrobras. Por isso, os custos da companhia deveriam ter ressarcimento.
A Petrobras alegava custos superiores aos calculados pela certificadora contratada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Como não houve acordo, a lei estabelece que será usada a média de estimativas de gastos constantes.
Porém, essa média da estimativa de gastos será ponderada pelo escopo da curva de produção a ser adotada na revisão. Isso significa que a curva de produção original, prevista no contrato, não será usada. Então, nem mesmo eventuais atrasos da Petrobras na exploração do óleo serão descontados.
Conteúdo local
A revisão do contrato da cessão onerosa vai usar como base as normas de conteúdo local editadas pela ANP na data de sua assinatura. Isso favorece a Petrobras, pois as regras para conteúdo local (obrigação de contratar produtos e serviços de empresas nacionais) vigente em 2010 eram mais rígidas do que as atuais. Isso significa que a companhia terá mais liberdade para contratar bens e serviços, independentemente da origem.
O projeto de lei permite que a Petrobras seja ressarcida caso devolva áreas para a União, algo que não estava previsto no contrato original. A proposta atende aos dois lados. Se a Petrobras quiser devolver uma das áreas, terá garantido os 5 bilhões de barris originais. Já o governo poderá leiloar uma área limpa, sem a presença da Petrobras, para outro operador.
Ao optar por um substitutivo de um projeto de lei de autoria dos deputados, a União fez uma aposta arriscada, mas certeira para a revisão do contrato, segundo apurou o Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado). Não foi à toa que o relator escolhido foi o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), ex-ministro de Minas e Energia, que trabalhou de forma alinhada com o governo na elaboração do texto final.
Para que a alternativa desse certo, o governo necessariamente teria de contar com o apoio do Congresso para dar respaldo aos critérios da revisão do contrato, correndo o risco de que esses itens fossem alterados por um Congresso desmobilizado e preocupado com as eleições.
Editar uma Medida Provisória exigiria uma justificativa técnica de difícil instrução por parte da União e poderia expor os servidores que assinassem os documentos a processos futuros. Como o Congresso é soberano, esse risco foi eliminado com o projeto de lei.
Após duras negociações com a companhia feitas por um comissão interministerial, há uma preocupação do governo em legitimar a negociação via Congresso. O texto foi costurado a sete chaves com Ministério da Fazenda.
Além disso, o governo busca enfrentar as resistências políticas ao projeto com a sinalização de que a outorga do leilão será paga em parcelas. O próximo presidente será beneficiado pelas receitas do pré-sal. O TCU deu demonstração de que não será fácil a negociação. Em nota, negou que tenha dado apoio ao acordo do novo texto.