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A rua é um canal de esgoto aberto, onde há 23 anos moram 200 famílias de baixa renda. Para transitar nela é preciso se arriscar num corredor estreito, de cerca de 80 centímetros de largura, sem nenhuma proteção e onde mal cabe uma pessoa. Por isso, segundo moradores, o nome da comunidade: Escorregou Tá Dentro.
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Um passo em falso ou qualquer desatenção pode levar, quem se arrisca a caminhar no local, a cair na água contaminada, suja, de aspecto degradante. Essa é a realidade de trabalhadores – a maioria manicure, catadores de materiais recicláveis, empregados domésticos – e de crianças e idosos que vivem no local situado no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife. Mais precisamente, às margens do canal do ABC, na esquina de uma das ruas mais movimentadas da cidade - a Cosme Viana.
Em contraste com a paisagem imunda e triste da área está o colorido alegre das 200 casas ali instaladas – 170 de um lado, 30 do outro. Pode-se chamar de “pequena vila” o corredor das moradias sem número, sem endereço certo, sem chance de ser reconhecido no mapa dos correios.
Uma das primeiras moradoras do local é a técnica de enfermagem, atualmente desempregada, Soraia Leite, de 47 anos (foto ao lado) – ocupou com o marido a primeira das 170 casas do lado direito do canal. A casa, de três cômodos apertados, é considerada a maior da comunidade. A ventilação é improvisada com a abertura de uma telha, que com qualquer resquício de chuva tem de ser fechada. “As famílias aqui chegaram aos poucos e, na época, foram construindo as casas de madeira e barbante. Era tudo uma bagunça e não tínhamos nem iluminação”, lembrou.
De lá pra cá pouca coisa mudou. O material para a construção das casas de tijolos e da única ponte que passa de um lado para o outro na comunidade é fruto de doações de anônimos, de acordo com ela. De doação a doação, a comunidade improvisa encanação no meio do canal para garantir água limpa para cozinhar e beber. Mas isso quando a chuva não chega forte, capaz de derrubar a obra.
Uma outra moradora da área, Ivanilda Ferreira, 62, fala da preocupação com as chuvas que causam invasão de água nas residências. Ela mostra o batente com cerca de 40 centímetros de altura que construiu dentro da casa, de apenas dois vãos, e que serve como suporte para a geladeira e o guarda-roupa. Questionada sobre os sonhos para o futuro, a costureira respondeu com um ar desanimo que por todos esses problemas a fé está quase acabando.
Além do esgoto a céu aberto, os moradores dividem espaço com escorpiões, ratos e baratas que constantemente invadem as casas. A catadora de material reciclável, Cosma Maria dos Santos, 45, (foto abaixo) conta que, numa ato de desespero, costuma alimentar esses animais na tentativa de afastá-los. “Eu jogo comida para os ratos na porta da minha casa para espantar eles”, desabafa. Doenças provenientes dos roedores e insetos, como leptospirose e dengue, fazem parte da rotina das famílias.
Ao olhar as fotos dos filhos, penduradas nas paredes, ela chora e revela o sonho de viver uma outra realidade. “Eu queria ter condições para sair desse lugar e dá uma casa de verdade para os meus filhos. Meu sonho é que um seja jogador de futebol e o outro militar”. A residência de apenas dois cômodos, onde ela mora com os dois filhos de 10 e 12 anos, apresenta diversas rachaduras devido a água suja do canal que entra pelos buracos dos tijolos.
Promessa que não sai do papel
Em 2009, moradores contam que representantes do Governo do Estado e Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) estiveram na comunidade e prometeram uma mudança de vida, que até hoje não se concretizou - presentes na ocasião, o prefeito João da Costa e o secretário estadual das Cidades, hoje senador Humberto Costa, e Maria Fernanda Ramos Coelho, presidente da Caixa Econômica Federal (CEF). Eles prometeram nova moradia.
Documentos revelam o fato, segundo Soraia Leite, que se diz "movimentadora comunitária", e faz questão de mostrar à reportagem do LeiaJá cópia de um deles, que comprova a promessa. “Eles fizeram uma festa ao lado da comunidade. Ficamos felizes, cheios de esperanças, mas o sonho se transformou em pesadelo", afirma. As famílias seriam transferidas para um conjunto habitacional próximo a àrea, no mesmo bairro de Afogados.
Ela conta, ainda, que em setembro do ano passado, um grupo de moradores realizou uma passeata até a Secretária Estadual das Cidades, no centro do Recife, onde foi entregue documento reivindicando ações de melhoria na área. Os manifestantes solicitaram, também, a desapropriação de um terreno, que fica atrás da comunidade, para que fosse construído o habitacioal.
A equipe do LeiaJá procurou a Secretaria de Habitação da Prefeitura do Recife para saber os motivos que retardam a promessa feita há três anos. De acordo com a assessoria da Secretaria, o órgão ficou responsável, apenas, por efetuar o cadastramento dos moradores, feito porta à porta ainda em 2009. A responsabilidade de construir o habitacional seria da Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB).
Também procurada pela reportagem, quem se pronunciou pela CEHAB foi o diretor de Gestão, Wagner Lima. Ele afirma que a previsão é de que, até o final de junho, as obras de um novo conjunto habitacional, desta vez no bairro do Cordeiro, também Zona Oeste do Recife, tenham início e beneficie as famílias. Segundo ele, a carência de espaço para desapropriação de terrenos na área atrasou o começo da execução do projeto de mudança.
De acordo com o diretor, serão construídas, numa área de 4.700m², 96 unidades habitacionais, com investimento inicial de R$ 6,9 milhões, que atenderá parte da demanda de 200 famílias da comunidade Escorregou Tá Dentro. As novas casas serão feitas na avenida Maurício de Nassau, bairro do Cordeiro. Fez questão de ressaltar, também, que "o projeto já foi licitado, homologado e está em fase de contratação".
Mas com relação ao complemento da demanda, já que se trata de 200 famílias, número acima da 96 casas previstas neste projeto, destacou apenas que na segunda etapa, serão construídas outras 80 unidades em terreno ainda a ser definido.
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