Amigos de infância, eles se tratavam, em alto e bom som, de “negão”, “véio”, “baixinho”, “tonelada”, “boneca” e “cão coxo”. Hoje, seguem amigos; encontram-se com freqüência para tomar várias; mas, em público, se tratam pelo nome de batismo, ou sussurram os apelidos com receio de ofender alguém no entorno que venha a ser afrodescendente, idoso, anão, obeso, bicha e deficiente.
Ou seja, vivem sob a implacável censura do “politicamente correto”, um cânone importado das terras de Tio Sam, a falsa polidez que ganhou o mundo e, de maneira difusa, inibe o pensar livre-pensar, irreverente e irônico. Virou uma aporrinhação sem fim e tão virulenta que, se o sujeito cumprimentar uma platéia com um “boa noite” e não mencionar “todos e... todas”, corre o risco de ser tachado de sexista. Saudades do latim que incluía o neutro entre o masculino e feminino.
Mundo chato o do “politicamente correto”! É amplo. Não se limita à linguagem; impõe padrões no vestir, no comer e, quem sabe, na consagração definitiva da “cópula papai e mamãe”. Pois bem, aqui vai um tributo a quatro monstros sagrados do “politicamente incorreto”: os pernambucanos Nélson Rodrigues e Luiz Felipe Pondé, o irlandês Oscar Wilde e o americano Henry Louis Mencken. Deles, usarei o mínimo possível de incontáveis frases que imortalizaram a coragem de dizer o que o nosso bom mocismo silencia.
Lá vai Nelson Rodrigues (1912-1980), dramaturgo, contista, escritor, jornalista, cronista com seus personagens-tipo, o padre de passeata, a freira de minissaia, a grã-fina de narinas de cadáver, o idiota da objetividade, o cretino fundamental, a estagiária de calcanhar sujo: “As feministas querem reduzir a mulher a um homem mal-acabado”; “Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”; “A velocidade é o prazer dos cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca”; “Se a vida me der as costas, passo a mão na bunda dela”; “Jovens envelheçam depressa. O jovem só pode ser levado a sério quando fica velho”; “Aos dezoito anos, o homem não sabe como se diz bom dia a uma mulher. O homem devia nascer com trinta anos feitos”; “Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos”; “Só o cinismo redime o casamento. É preciso muito cinismo para um casal chegar às bodas de prata”; “Invejo a burrice porque é eterna”; “Reacionário, no sentido que conheço, é a esquerda brasileira que tomou o lugar da direita”; “Marx era uma besta”. E a “baba bovina” escorrendo pela gravata da direita perplexa e da esquerda indignada. Quer mais? Ruy Castro selecionou mil frases de Nelson em Flor da obsessão, Companhia da letras.
O outro pernambucano é Luiz Felipe Pondé, filósofo, ensaísta, escritor e autor do "Guia politicamente incorreto da filosofia", sucesso de vendas e, ao mesmo tempo, êxito incomum em matéria de polêmica acirrada. Pondé não mede palavras nem regateia o livre pensar quando se trata de enfrentar o que chama de "praga do politicamente correto". E explica a essência do livro como "a confissão de um pecador irônico a respeito de uma mentira moral: o politicamente correto". Para ele, "os aeroportos e os aviões viraram um grande churrasco na lage; o mundo virou uma praça da alimentação de shopping center num sábado à tarde; o futuro do mundo é ser brega". Considera a crítica ao politicamente correto "uma crítica que se alimenta da suspeita acerca do pecado como essência do homem". A partir daí, Pondé detona o modismo ideológico. O feminismo é um prato cheio (diz coisas do tipo: "as feministas só conheceram na vida homens ruins, por isso falam o que falam dos homens" ou "ser mãe solteira só e bonito em novela das oito"). Crítico mordaz da democracia representativa, Pondé identifica nela o nascimento do "homem-massa" o que assegura, segundo ele, a vitória aos idiotas porque são massa. E conclui: "o idiota raivoso fala sempre com força de bando e, na democracia de massa em que vivemos, ele tem sim o poder absoluto de destruir todos os que não se submetem a sua regra de estupidez bem adaptada". Ler Pondé provoca dois sentimentos antagônicos: impulsos de ira ou acessos de risos. Indiferença, jamais.
Por sua vez, o bissexual, extravagante, excêntrico, anarquista, brilhante dramaturgo, contista, poeta, romancista de um só e belo romance (O retrato de Dorian Gray), Oscar Wilde (1854-1900), condenado a dois anos de trabalho forçados por conta do rumoroso caso de amor com o jovem Alfred Douglas que escandalizou o moralismo vitoriano da sociedade inglesa, dispara: “A cada boa impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre”; “Quando eu era jovem pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho certeza”. “Um homem pode ser feliz com qualquer mulher desde que não a ame”; “Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal”; “Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência”; “A moda é uma variação tão intolerável que tem de mudar de seis em seis meses”; “A coerência é a virtude dos imbecis”; “Experiência é o nome que damos aos nossos erros”; “Resisto a tudo, menos à tentação”.
Finalmente, o americano Henry Louis Mencken (1880-1956), jornalista, crítico social, iconoclasta e de notável atualidade política, usa, como poucos, a língua ferina: “O adultério é a aplicação dos princípios democráticos ao amor”; “O amor é o triunfo da imaginação sobre a inteligência”; “Pode ser um pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano”; “A democracia é a arte de administrar o circo a partir da jaula dos macacos”: “O homem inteligente, quando paga seus impostos, não acredita estar fazendo um investimento prudente e produtivo do seu dinheiro; ao contrário sente que está sendo multado em nome de uma série de serviços que, em sua maior parte, são inúteis e até prejudiciais”; “Todo governo é composto de vagabundos que, por um acidente jurídico, adquiriu o direito de embolsar uma parte dos ganhos dos seus semelhantes”; “Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”.
Beleza, Mr. Mencken, e grato pela “aquarela do Brasil” profética.