Nas mediações do Marco Zero, na área central do Recife, uma cena incomum em pleno dia de jogo do Brasil na Copa do Mudo, na última quarta-feira (27), chamou de imediato a atenção da equipe do LeiaJá. Em meio a uma estrutura pequena, mas sofisticada com direito a um mini-camarim, um homem cortava o cabelo de uma pessoa que, visivelmente, parecia precisar de cuidados. Fomos conhecer o que se passava por ali, bem em frente a uma parada de ônibus.
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Abordamos o barbeiro que conversava com o “cliente” ali sentado: um morador de rua, que parecia admirado ao olhar para si próprio em direção ao espelho repleto de luzes. Sim, Pedro, 24 anos, o barbeiro que nos contou a sua história e que prefere se identificar apenas com o primeiro nome, é o responsável por levar luz para a vida dos mais necessitados, para essa parte da sociedade em geral excluída ou que passa despercebida pela sociedade.
Os moradores de rua têm direito a tudo para melhorar o visual sem pagar nada: “cabelo, barba e bigode” como se costuma falar. Ele não cobra nada. Pedro contou que para ele há coisas que não se pagam, nesse caso, fazer o bem e resgatar em muitos casos a autoestima perdida. Pode ser morador de rua ou qualquer outra pessoa de baixa renda, todos saem com o visual diferente, mas principalmente com o sentimento de terem valor diante da sociedade.
Exatamente quando o profissional ressaltava o significado da palavra valor, um trabalhador se aproxima devagar e desconfiado. O novo cliente pergunta a Pedro o valor do corte, que responde imediatamente: “Não há preço”. O homem, que posteriormente se torna personagem do vídeo produzido pelo LeiaJá, não se dá por satisfeito e volta a interrogá-lo: “Não há nada de graça nesse mundo”. Pedro também não pensa e rebate na mesma hora: “Não há nada de graça nesse mundo, mas tudo tem seu valor”.
O homem não entende direito, mas senta com desejo de ser atendido. Em pouco tempo, o jovem barbeiro consegue quebrar o gelo e o homem que se torna cliente revela seu nome, Kia. Ele, mais à vontade, se mostra agradecido. “Há poucas pessoas assim com um bom coração”, salientou timidamente.
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Qual o seu valor?
Pedro explicou a declaração "não há nada de graça nesse mundo, mas que tudo tem seu valor". Afirmou que todas as pessoas têm o seu valor, independente da classe social. Por isso, para ele, é preciso fazer o bem sem esperar nada em troca. Não são às pessoas carentes que ele não cobra pelo serviço personalizado que faz, e sim a qualquer um. Qualquer pessoa, independente do status social, paga o valor que puder.
Ele garante que não é marketing e sim amor à profissão e ao próximo, por acreditar na boa-fé de cada um. “Acredito que se a gente for sozinho conseguimos chegar rápido, mas em grupo ajudando um ao outro, a gente chega longe. Cada um dá o que puder seja dinheiro ou um aperto de mão. Eu tenho a minha história e tento aprender com a história do próximo, tento aprender com os erros do próximo. Eu crio laços e é muito gratificante ser bem recebido em qualquer lugar. A profissão me tornou muito mais humano porque para mim não importa se é um morador de rua ou um prefeito. Acredito que quando a gente faz de coração, as coisas acontecem. Não tem como você plantar o bem e colher o mal e assim vou levando a minha vida”, garantiu.
A trajetória de vida de Pedro também é de se admirar. Ele conta que é autor da sua própria história e, depois de ter uma vida conturbada por algumas “escolhas erradas”, decidiu mudar. Escolheu a profissão ao entrar em uma barbearia e pensar que com a profissão poderia estar em qualquer lugar do mundo bastando os equipamentos necessários. “Nada de rotina me satisfaz e tenho vontade de conhecer o mundo. Então pensei que nessa profissão dá para ganhar dinheiro em qualquer lugar e de forma honesta. Fiz algumas faculdades, mas decidi atingir meus objetivos dessa forma, acreditando nos meus sonhos, do que seguir a carreira acadêmica”, explicou.
Para dar uma reviravolta em sua vida, decidiu se empenhar. Na mesma barbearia que foi como cliente e pensou na ideia, se tornou funcionário. Ali aprendeu todas as técnicas para corte e barba, como atender o cliente e até mesmo a lavar chão. Depois, já fora, foi aperfeiçoando seu trabalho em cursos. Há dois anos trabalhando na área, ele diz que a profissão virou uma paixão por se sentir liberto.
Pedro tem uma visão empreendedora. Criou um projeto inovador de uma barbearia itinerante, mas com uma estrutura sofisticada. “No começo não sabia se iria dar certo, mas quando vi que deu certo não parei mais. A barbearia itinerante tem esse objetivo de conhecer gente e criar conexões, que é o essencial para a vida de qualquer pessoa. O que me faz bem é sair de casa, ajudar as pessoas e mostrar que não precisa de uma mega estrutura, uma grande barbearia esperando o cliente vir até mim para ganhar dinheiro e ajudar os outros”, explicou. Ele também pretende trabalhar um dia na semana em uma barbearia para complementar a renda, mas sem desviar do conceito desenvolvido que se tornou estilo de vida.
O profissional pensa muito além. O foco agora é montar uma mini franquia do “Eu Barbeiro”. Os interessados vão ter não somente a estrutura da maleta com a marca para poder realizar todo o serviço com perfeição, como também ele vai oferecer todo o treinamento necessário, bem como o coaching. A cada curso que vender, Pedro pretende profissionalizar uma pessoa sem condições financeiras para seguir a carreira.
Na bela área da capital pernambucana, diz que foi abraçado pelo pessoal da área. “Eu ajudo o pessoal e o pessoal também me ajuda, sempre estão indicando outras pessoas e assim nos ajudamos e assim escolhi também o Marco Zero porque é de onde vai partir para qualquer lugar”.
Uma maleta camarim
O equipamento de trabalho de Pedro chama bastante atenção. Dentro da maleta que se torna camarim, tudo parece ter sido escolhido a dedo. Além das máquinas, vários pentes de diversos tamanhos para cortes diversos, tesouras especializadas, espelho todo decorado e outras peças. Para transportar a maleta, ele precisa de determinação. São mais de 35 quilos que carrega dentro do ônibus sem horário para voltar para casa. Isso depende da quantidade de clientes e para onde for chamado, o barbeiro vai. “Eu consigo vender o meu produto já com a estrutura como deve ser feito, quando armo a estrutura, o cliente já sabe um pouco do que pode ser esperado”, declarou com confiança.
Mesmo com a onda de violência, Pedro diz que não sente medo das maldades do mundo. “Essa estrutura é tudo o que eu tenho, mas eu saio de casa sabendo que nada vai me acontecer porque se planto o bem, nada de mal pode me acontecer”.
Pedro diz que tem muito orgulho de fazer parte de uma profissão milenar e que é respeitada em qualquer lugar, embora não raro pareça ser imperceptível aos olhos de alguns. “Não é só cortar cabelo, cuidamos da autoestima das pessoas. O cliente às vezes não sabe o que vai acontecer, mas vai sair dali melhor do que chegou e eu sempre dou o melhor de mim”, ressaltou enquanto se aproximou mais uma pessoa que escutava de longe apenas para elogiar. “Eu nunca vi na rua alguém trabalhar sem dar preço, eu pagaria R$100 reais só pelo que você está falando, parabéns pelo trabalho”, ressaltou o jovem no momento em que Pedro dizia exatamente que todo o esforço vale a pena. “Se o sol não sair, irradie a sua própria luz”, retrucou em forma de agradecimento no final da entrevista.