A cidade não para. Cada minuto representa uma fração da viagem rumo ao destino de quem precisa se locomover pelo espaço público das metrópoles. Seja qual for o modal utilizado, diariamente a população necessita ganhar as ruas e enfrentar o trânsito. O estressante, violento e travado trânsito nosso de cada dia.
Passos apressados ditam o ritmo dos pedestres, enquanto as buzinas alertam os condutores, que correm contra o tempo para resolver suas obrigações. Juntos, são cidadãos e cidadãs que vivem as cidades e as movimentam. Mas a convivência não é pacífica: os conflitos no trânsito são uma fonte inesgotável de estresse para uma multidão de pessoas.
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Não bastasse a falta de estrutura dos bairros periféricos, que ao passar do tempo não ganharam melhorias para receber carros, caminhões, bicicletas, ônibus, entre outros veículos, as vias centrais sofrem com a falta de mobilidade. Sofre o condutor, pena o passageiro, se assusta o pedestre, reclama o ciclista, se irrita o motociclista, e todos seguem insatisfeitos.
Muito se fala do excesso de veículos nas vias, da falta de sinalização, das condições precárias das ruas e calçadas. Muito se discute sobre carros, ônibus, bicicletas, motos, sobre faixas de pedestres, semáforos, limites de velocidade, placas, todos itens importantes e essenciais para se entender e planejar o trânsito. Mas não estamos esquecendo o mais importante? Não estamos deixando de colocar em primeiro lugar o real motivo para a existência do trânsito? O vilão, a vítima, o combustível, o 'item' central desta lista: as pessoas? É razoável imaginar que ainda que não houvesse nenhuma regra ou lei de trãnsito, se houvesse respeito e empatia nosso trânsito seria muito menos mortal e estressante?
O especial 'O trânsito sou eu', o LeiaJá se propõe a colocar as pessoas no centro do debate sobre mobilidade. Claro que a estrutura das vias ou o excesso de automóveis influenciam diretamente a tragédia brasileira no trânsito, que mata cerca de 50 mil pessoas por ano, mas não são estes objetos os sujeitos do trânsito. Cada carro, ônibus ou moto está ali apenas porque é guiado por um ser humano. O trânsito é você.
A máxima 'você não está parado no trânsito, você é o trânsito' alerta para uma verdade que parece escapar muitas vezes: não são carros, motos ou ônibus parados em um engarrafamento, são pessoas. Não são em carros que devemos pensar quando pensamos em trânsito, mas em cada cidadão que sai de casa diariamente para cumprir sua jornada de trabalho, de estudo, que se desloca na metrópole. Talvez nosso trânsito seja tão violento porque estamos tratando pessoas como automóveis, e automéveis não têm dignidade, não têm direito à vida. Assim, 'coisificamos' o trânsito e estamos nós mesmos, com a ajuda da precária estrutura viária e urbana, fazendo do nosso deslocamento diário uma experiência infernal.
Nesta série de reportagens especiais 'O trânsito sou eu', não focamos nas estatísticas ou fundamentações acadêmicas; nem nos preocupamos em conseguir as muitas vezes redundantes explicações do poder público. Trazemos seis histórias, seis pessoas, seis cidadãos e cidadãs que convivem - e competem - por espaço nas vias do Grande Recife, metrópole com cerca de 4 milhões de habitantes.
Você vai conhecer José Cristóvão de Aguiar Xavier, de 44 anos de idade, dos quais quase sete dedicados à função de motorista de ônibus. Guiando o maior dentre os veículos do nosso trânsito, ele ainda tem a responsabilidade extra de cuidar de dezenas de passageiros.
Passageiros como Eduardo Cavalcanti, que diariamente pega pelo menos quatro ônibus. O jovem é um dos quase 2 milhões de usuários do transporte coletivo do Grande Recife.
Vai encontrar Fernanda Ribeiro, que se desloca de carro e é dona de um lava jato. Além da rotina estressante de engarrafamentos, ela também vive o ambiente machista do trânsito, no qual ainda existem expressões como 'mulher ao volante, perigo contante'.
José Neto 'Brasinha' há seis anos se desloca sobre uma moto. Ele, que também é músico, usa a motocicleta ainda para trabalhar, aproveitando da agilidade dela para fazer entregas e serviços.
Aquele ciclista pelo qual você passa de dentro do seu carro ou de um ônibus pode ser Ubirantan de Medeiros. Apelidado de Bira, ele usa a bicicleta como meio de transporte há mais de duas décadas e diariamente se desloca com a sua pela Região Metropolitana do Recife.
Moradora de um bairro do centro da cidade, a Boa Vista, Karina Moutinho faz seus principais deslocamentos a pé. Faculdade, academia, movimentos diários em que ela não conta com pedais, motores ou armaduras de metal, apenas com as próprias pernas. E muita atenção.
Ao fim, em videodocumentário, trazemos todos os seis, suas opiniões e vivências, seus 'mea-culpas' e também seus pedidos para que deixemos de lado a agressividade, substituindo irritação por gentileza, disputa por cooperação, xingamentos por mais cuidado, automóveis por pessoas. Que você, leitor, se identifique, crie empatia, e seja parte de um trânsito e uma cidade cada vez mais humanos.