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Quando se fala em presídio, é comum encontrar pessoas que associam o ambiente ao título de “escola do crime”. Tal afirmação não é infundada. No Brasil, a realidade carcerária é precária. As unidades prisionais operam com a capacidade excedida, onde a violência é presente e presos de diferentes níveis de periculosidade convivem no mesmo espaço. O Coronel Benício Caetano, gerente executivo do Presídio de Igarassu, cidade localizada na Região Metropolitana do Recife, ilustra a dificuldade de administrar a quantidade de presos. “Como é que você, em um lugar com 3.120 presos para 426 vagas, consegue separar presos condenados de provisórios?”, comenta o gestor.
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Com todas as adversidades, os presídios trabalham com medidas de ressocialização que visam reeducar os detentos, modificando a visão social e oferecendo novas oportunidades de vida para pessoas que, em muitos casos, não tiveram muitas chances. A educação aparece como principal alternativa para diminuir o tempo de reclusão e traz a liberdade para os presidiários. Esta, a liberdade da educação, é a única que tem a capacidade de trazer um novo destino, uma nova vida. E, nesse contexto, se encaixa um presidiário da unidade de Igarassu que, mesmo atrás das grades, conseguiu ser aprovado em dois vestibulares.
Nosso personagem, que quis ser identificado apenas como Alma - conforme as iniciais de seu nome -, deu entrada no Presídio em novembro de 2009. Hoje, após estudar na Escola Dom Helder Camara, localizada dentro da unidade prisional, foi aprovado em 1° lugar no curso de gestão de recursos humanos na Universidade Norte do Paraná (Unopar), através do Programa Universidade Para Todos (ProUni), e em 5º lugar em agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). “Queria algum curso na área de computação, mas, com a minha nota de corte, escolhi agronomia. É uma área que eu gostaria de trabalhar quando sair daqui, provavelmente quando for morar no interior com a minha família”, explica sobre a sua escolha.
Alma tem 39 anos e há 23 não estudava. Concluiu o Ensino Médio com 17 anos, em escola pública, e fez curso técnico de desenho arquitetônico, com o que nunca trabalhou. Antes de ser preso, trabalhou como estoquista e auxiliar administrativo em uma escola particular de Olinda, no Grande Recife, onde permaneceu até ser detido. O motivo da prisão também foi ocultado pelo detento.
Na cadeia há quatro anos e com uma pena de 10 anos e onze meses, Alma conseguiu remissão, que é a diminuição da pena, trabalhando no presídio. “Na escola não tem curso de ensino médio, então eu só assistia como ouvinte. Apesar de trabalhar desde que entrei, só ganhei remissão a partir de três anos e nove meses, que foi quando consegui ser concessionário, que é o trabalhador oficial no presídio”, explica. No sistema carcerário, três dias de trabalho diminuem um dia da pena; já na escola, 12 horas de aula diminuem um dia do regime. “Mês que vem eu completo o regime fechado, podendo progredir para o semiaberto. Como me matriculei para segunda entrada, poderei cursar o curso de agronomia. Pretendo tentar de novo no ano que vem para algum curso na área de computação”, comenta.
O resultado do vestibular serviu de estímulo para sua filha, de 15 anos. Atualmente no segundo ano do ensino médio, a menina foi diagnosticada com depressão após o afastamento do pai. A aprovação de Alma a fez continuar a estudar após quase desistir da escola. “Quando ela viu que eu, mesmo sem estudar há 23 anos e preso, consegui passar, aquilo a animou muito”, comenta Alma.
Na cadeia, o detento trabalha na área administrativa, como digitador da direção, e também é chaveiro. “Na prisão, cada pavilhão tem um preso que é representante dos demais, eu sou o representante da enfermaria, que é a minha cela. O chaveiro é simplesmente um representante, como toda classe tem”, explica.
Um fato interessante foi o reeducando ter escolhido o curso de gestão de recursos humanos. Caso consig a atuar nessa área, ele terá a responsabilidade de escolher candidatos em uma seleção de emprego, por exemplo. Quando questionado sobre se contrataria alguém que fosse ex-detento, Alma foi categórico: “Com certeza, eu conheço o presídio de dentro. Geralmente se faz uma visão muito distorcida da realidade. Tem muito bandido na cadeia, realmente tem, de todo tipo possível de imaginar, mas tem muita gente que foi presa por um acaso do destino, às vezes por uma injustiça. Conheço muita gente honesta, muita gente de valor. Eu com certeza contrataria”.
Ensino que liberta
Pernambuco é o estado com maior número de detentos matriculados em escolas no sistema penitenciário. Em um levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, entre os anos de 2008 e 2012, 19% dos presos estudavam. Atualmente, 28% dos reeducandos frequentam as aulas, contra 10% da média nacional. “Dos instrumentos de reintegração social, o estudo é um dos caminhos mais rápidos. E a escola está muito bem harmonizada com o sistema prisional. Nós temos escolas em praticamente todas as unidades de Pernambuco”, comenta o Coronel Benício.
No Presídio de Igarassu, há 21 turmas lotadas, contabilizando um total de 820 alunos. Nem todos os detentos interessados conseguem estudar por falta de espaço e condições da unidade. A construção de mais salas não é viável pela estrutura do prédio, e a escola conta com bancas precárias e falta de material. “Recentemente, alguns computadores foram doados para a instituição, mas ainda é pouco”, comenta a diretora da Escola Dom Helder Camara.
O coronel ainda ressalta que a unidade prisional traz a humanização para alguns presos: “Apesar de todas as mazelas, muitos encontram a liberdade no presídio. Me dizem, ‘coronel, eu aprendi o que é a liberdade, o que é viver, aqui dentro, porque lá fora ninguém me ensinou’. Às vezes falha a escola, falha a família, falha a igreja, todos os mecanismos de convivência social, e o detento só encontra o caminho dentro da cadeia”. Sobre o fato de Alma ter passado nos vestibulares, col. Benício se sente muito satisfeito. “Aqui ele conseguiu voltar a cabeça para fazer o bem”, completa.
A aprovação de Alma é um exemplo de que a educação pode ajudar no processo de ressocialização dos presidiários. No ano passado, o LeiaJá mostrou a realidade dos detentos que buscavam ingressar na educação superior por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Veja também o Enem dos presídios.