Esquerda volta à América Latina após direita decepcionar
O movimento chamado de "Onda Rosa" pode influenciar nas eleições do Brasil
Atento às recentes vitórias de partidos de esquerda na América Latina, o presidente Jair Bolsonaro (PL) está preocupado com os impactos da “Onda Rosa” no Brasil. Diante do retrospecto desfavorável para a agenda ultraconservadora na região, sua campanha à reeleição se enfraquece no confronto ideológico estimulado por ele próprio.
Do México à Argentina, as principais economias da América Latina voltaram a eleger candidatos de esquerda após o baixo desempenho de gestões da direita. A frustração foi proporcional à expectativa em torno de figuras que se diziam afastadas da 'velha política' e prometeram reverter a taxa de desemprego puxada pela crise no financiamento de imóveis nos Estados Unidos, ainda no governo Obama, mas que reverbera até hoje.
"O resultado foi um aumento de desemprego, de carestia e dificuldade. Não houve uma superação da crise em si, e isso foi um dos motivos do surgimento de uma nova onda progressista na América Latina e no mundo", avaliou o historiador e especialista em Ciência Política Thiago Modenesi.
Esquerda de volta através do voto
A escalada da ultradireita no ciclo eleitoral anterior se expandiu nas redes sociais, mas passou a ser freada nas urnas da América Latina.
Dessa forma ocorreu com o Macri, na Argentina, que foi derrotado pela chapa de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner; no Chile, com a vitória de Gabriel Boric após escândalos de Piñera; na Bolívia e no Peru, que sofriam uma crise institucional e elegeram Luis Arce e Pedro Castillo; mais ao norte, com a primeira mulher presidente em Honduras, Xiomara Castro; com a escolha dos mexicanos por André Obrador, e recentemente, com a Colômbia, que elegeu seu primeiro presidente de centro-esquerda, Gustavo Petro.
Foto: Juan BARRETO / AFP
O mapa da região chegou a ser compartilhado por Eduardo Bolsonaro como uma tentativa de induzir o entendimento de uma ameaça ao conservadorismo nas Américas, como sugerido desde a derrota de Donald Trump e eleição de Joe Biden nos Estados Unidos.
A nova "Onda Rosa"
Reestruturada em uma conjuntura mundialmente polarizada, após a experiência com nomes como Evo Morales, Hugo Chávez e o próprio ex-presidente Lula, a esquerda aderiu a um tom mais moderado e flexível às pautas tradicionais.
“A gente tá vivendo uma segunda onda progressista, que a gente chama de 'Onda Rosa'. É claro que ela ajuda e cria as condições para uma possível vitória de centro-esquerda também no Brasil”, projetou Modenesi.
Com um discurso de reconstrução em cima dos escombros deixados pela direita, os candidatos priorizaram a retomada de direitos trabalhistas para se tornarem presidentes. Para o historiador, este seria outro pilar da insatisfação do eleitorado na América Latina.
Encontro de Alberto Fernandéz e Gabriel Boric, presidentes da Argetina e Chile, respectivamente. Foto: Reprodução/Facebook/GabrielBoric
"Também há a perda de direitos que foi vendida internacionalmente como uma medida necessária para a retomada da economia e a ideia de uma pauta democrática com a preservação dos países [...] essas forças de direita tinham o discurso de que eram nacionalistas e defendiam a pátria, mas o resultado foi o desmonte, em particular aqui no Brasil, que está bastante desgastado internacionalmente”, acrescentou.
Estratégia da união
Posicionada mais ao centro, em uma estratégia considerada positiva por Modenesi, a esquerda ao redor do Brasil passou por eleições apertadas e precisou se abrir para alianças com siglas de espectros habitualmente opostos, como a chapa Lula-Alckmin. Ser menos radical e ter a capacidade de conversar com outros setores foi fundamental para o retorno.
“Quando forças de ultradireita se instalam no poder, não é um processo simples para retirá-las. A gente viu isso com Trump nos Estados Unidos, porque essas forças passam a utilizar de todos os expedientes e a dizer que o processo pode ser fraudado, que as eleições não valem, e isso exige uma frente 'amplíssima', que acaba tendo uma pauta maior e mais ampla que a esquerda”, complementou.