Homem negro avisou esposa que seria morto pela PM
Minutos antes dos disparos, vítima compartilhou a localização com a esposa e durante ligação telefônica, disse: “vão matar a gente”
A Ouvidoria das Polícias colheu depoimentos dos familiares de dois jovens negros assassinados pela Polícia Militar de São Paulo, no último dia 9, em Santo Amaro, zona sul da capital paulista. Segundo os relatos e provas colhidas, uma das vítimas, Felipe Barbosa da Silva, de 23 anos, ligou para a esposa minutos antes e compartilhou a localização em tempo real, ciente de que seria alvejado pelos agentes.
“Moiô, moiô, eles vão matar a gente”, escreveu o homem. “Moiô” é uma gíria para “molhou”, que significa que a situação deu errado. As informações são de Leonardo Martins, do UOL. Ainda segundo a reportagem, Silva finalizou a chamada dizendo que amava sua filha, de apenas um ano de idade. A ligação foi feita às 19h20 do dia 9 de junho e durou 50 segundos.
Antes de desligar, ainda pediu que ela avisasse a família de Vinícius Alves Procópio, segunda vítima, de 19 anos. Os policiais dizem que perseguiram o veículo pelas ruas do bairro após eles terem cometido um roubo e fugido. Foi dentro do carro que as mortes aconteceram. As imagens do momento do assassinato viralizaram nas redes sociais no último domingo (13). Elas mostram os dois policiais atirando ininterruptamente contra Felipe e Vinícius.
A perícia apontou que ambos os corpos tinham mais de 20 perfurações por tiros. Eles não tinham antecedentes criminais. Segundo a esposa, Felipe trabalhava como entregador de aplicativos e não possuía arma de fogo. Ela disse ainda ter sido ameaçada pelos PMs presentes para deixar o local dos tiros.
Familiares de Vinícius, que era monitor de perua escolar, falaram à Ouvidoria que, ao chegarem ao local das mortes, não viram nenhuma ambulância para socorrer os dois jovens. Havia apenas um veículo do Corpo de Bombeiros que prestava socorro a uma pessoa que estava em um carro com o qual o veículo dos dois jovens colidiu, segundo a família. Eles disseram que os corpos foram retirados dos veículos “como se nada fossem e atirados no meio-fio da via”.
Os policiais acusaram os jovens de terem participado de um assalto e tentado fugir pelas ruas do bairro, quando bateram em um carro e, em seguida, em um poste. Segundo relato dos PMs, ao serem abordados, um dos jovens teria tentado disparar uma arma de fogo contra os policiais, que afirmam ter revidado com dezenas de tiros. Segundo as investigações, já foi concluído que os homens não efetuaram disparos e está sendo avaliada a existência de fraude processual, pois as armas podem ter sido plantadas.
Os três PMs que participaram da ação - os dois que dispararam e um terceiro que dirigia o veículo policial - foram presos preventivamente pela Justiça Militar. No boletim de ocorrência, consta que foi encontrado um cartucho da munição 380 milímetros na roupa de Felipe. O registro também afirma que a perícia encontrou, no porta-luvas do carro, um título de eleitor e um cartão bancário no nome de uma mulher.
Sem conclusão da investigação, a delegada responsável pelo caso afirmou no boletim de ocorrência que “não se verifica aparente ilegalidade na conduta dos PMs”. Ela também cita, em defesa aos agentes, o “excludente de ilicitude”, dizendo que os PMs reagiram para “para salvar suas próprias vidas” e “usaram moderadamente dos meios necessários”.
O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios da Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, mais recente levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2019, 74,4% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras. Entre as pessoas mortas por policiais, o índice de negros é ainda maior: 79,1%. Não há dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais.