Desabrigados com suspeita de Covid-19 alertam olindenses

Preocupados com os efeitos do aumento de pessoas em situação de rua, moradores de Olinda relatam que dois jovens chegaram a ser socorridos com sintomas da Covid-19 no Mercado da Ribeira

por Victor Gouveia qua, 22/04/2020 - 08:45
Reprodução/Facebook/Sodeca Sem lugar adequado, pessoas em condição vulnerável passaram a usar o local como abrigo Reprodução/Facebook/Sodeca

Moradores do Sítio Histórico de Olinda denunciam que, desde o fim do ano passado, pessoas em situação de rua estão invadindo as instalações da unidade operacional da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e fazendo uso da água tratada. Diante do crescimento da população carente, a insatisfação pela falta de políticas públicas foi estimulada nesse sábado (18), quando dois jovens em condição vulnerável, de aproximadamente 20 anos, foram socorridos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no Mercado da Ribeira com sintomas do novo coronavírus.

A empreendedora Márcia Lessa conta que acionou o SAMU no último sábado (18) para atender aos jovens, ambos identificados como Felipe. Os dois apresentavam sintomas de Síndrome Respiratória Grave Aguda (SARS).

Moradora do Sítio Histórico há 20 anos, ela alimenta cerca de 45 pessoas em situação de rua e lembra que, desde a última semana, começou a perceber que algumas estavam apresentando sintomas semelhantes ao do novo coronavírus.

“Quando voltei no sábado, Felipe não tinha forças, já estava complemente debilitado, convulsionando”, descreveu. Segundo Márcia, ele foi encaminhado para o Hospital Tricentenário, onde não realizou teste para a Covid-19. Conforme o relato, ele foi diagnósticado com dengue, mas foi-lhe receitado um remédio para piolho, antes de ser liberado. A assessoria da unidade de Saúde informou que o paciente não apresentava quadro grave e se recusou a tomar duas injeções.

Receituário do paciente solicitando a compra de remédio para parasitas   Foto: Cortesia

Sem apresentar melhora, o Samu foi acionado novamente no domingo (19). Porém, o jovem não quis prosseguir com o atendimento. “Ele disse que não ia porque para levar duas injeções e voltar do tricentenário queimando de febre a pé, era melhor ficar deitado, relatou a voluntária. Ainda em contato com Felipe Nascimento, ela descreveu seu atual quadro de saúde: “ele disse que não está sentindo cheiro, não está sentindo gosto e está com muitas dores no corpo, dor de cabeça e febre, mas continua na rua”, complementou. Márcia ainda indicou que o outro jovem segue hospitalizado, no entanto, o Hospital Tricentenário alega que não há nenhum paciente internado com este nome.

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A reportagem do LeiaJá entrou em contato com as secretarias de Saúde de Olinda e do Estado para confirmar o óbito, visto que o último boletim epidemiológico do município registrou 23 mortes e 253 pacientes confirmados com a infecção. A restrição de documentos e a dificuldade de identificação do paciente impediu a checagem por parte dos órgãos.

Nesse fim de semana, o Samu precisou visitar duas vezes o Mercado da Ribeira para atender aos populares   Foto: Cortesia

Diante do aumento gradativo da população carente, moradores da região perceberam que, no fim do ano passado, a unidade da Compesa localizada nos arredores do mercado foi invadida e as instalações tornaram-se abrigo. “Uma moradora relatou pra gente que desde novembro do ano passado, eles tão usando o prédio pra tomar banho, fazer necessidades fisiológicas, fizeram uma cozinha improvisada com fogão à lenha [...] é uma área que não deveria tá circulando pessoas que não tivessem autorização”, confirmou o coordenador da Sociedade de Defesa da Cidade Alta (Sodeca) Nathan Nigro.

Além do controle sanitário, os moradores pedem ações para garantir a segurança na região. Eles contam que episódios de violência e consumo de drogas aumentaram junto com o acúmulo de pessoas vivendo nas ruas da localidade. "Nem a Compesa, nem a prefeitura podem dizer que não sabiam", complementa Nigro ao reforçar que, desde o início de 2020, as duas entidades foram comunicadas sobre as condições enfrentadas na área turística.

A companhia de abastecimento garante que o grupo não tem acesso a àgua tratada  Foto: Reprodução/Facebook/Sodeca

A Compesa esclareceu que a água do Reservatório da Ribeira não passa por qualquer tipo de manuseio humano, pois ela entra e sai da unidade em tubulações. Em relação a invasão às dependências, a companhia informou que já fez contato com a prefeitura para que os identificados sejam levados para abrigos. Só nessa segunda-feira (20), um vigilante foi disponibilizado para controlar o acesso ao local. A nota ainda reitera que os padrões de qualidade estabelecidos Portaria de Consolidação nº 05/2017, Anexo XX, relacionada aos procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano, são atendidos.

A Secretaria de Desenvolvimento Social, Cidadania e Direitos Humanos de Olinda confirmou o contato feito pela Compesa e apontou que vai intensificar os cuidados com a população vulnerável da área a partir desta quarta-feira (22). Dois pontos de higienização, com capacidade para 40 atendimentos diários cada, serão disponibilizados pelo município. Um ficará localizado no Estádio Grito da República, no bairro de Rio Doce; e o outro na chamada casa das 3 Marias, no Carmo.

Após o cadastro, os populares vão receber kits de higiene e vão poder tomar banho. Em seguida, alimentação será fornecida. O Ponto de Cuidado à higienização de Rio Doce funciona já nesta quarta (22). Já o do Carmo aguarda a montagem da estrutura por parte do Governo do Estado e deverá iniciar os atendimentos só em abril.

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