Família questiona silêncio sobre caso de mulher decapitada

Mais de uma semana depois, filhos da vítima questionam por que ninguém foi preso e percebem que a história não ganhou a mesma repercussão de casos de violência contra a mulher ocorridos em áreas nobres do Recife

por Jorge Cosme ter, 19/12/2017 - 08:22

Chegam os peritos. Maurílio José acompanha tudo no quintal da casa. Botam a cabeça no chão, em pé, em direção a Maurílio. Ele encara. Alguns segundos depois, a cabeça deita. Ele continua encarando. Ainda não havia conseguido parar para processar tudo, que era sua mãe ali.

O crime ocorreu na madrugada do dia 10 de dezembro, na comunidade popularmente conhecida como Suvaco da Cobra, em Barra de Jangada, Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife (RMR). Maria Aparecida dos Santos Fidelis, conhecida como Dona Cida, de 52 anos, três filhos e dez netos, foi brutalmente assassinada em sua casa. Ela foi decapitada e teve a cabeça exposta no muro da residência.  

Mais de uma semana depois, a família da vítima está desconfiada. Teme que o caso acabe impune porque até o momento ninguém foi preso. O incômodo é maior porque eles garantem já saber quem foi o responsável pelo crime. Apesar do caso ter sido divulgado na imprensa e possuir fortes indícios de feminicídio, ganhou uma tímida repercussão, longe do que aconteceu, por exemplo, após a morte da fisioterapeuta Tássia Mirella em um flat de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. A morte de Mirella, quase degolada pelo vizinho, causou grande impacto e resultou em manifestação, na circulação do termo #somostodosmirella, ágil ação policial, além da data do crime virar o Dia do Combate ao Feminicídio em Pernambuco.

No vídeo abaixo, filhos da vítima contam um pouco do drama de descobrirem a mãe morta de forma brutal:

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Cerca de dois meses atrás, o suspeito do caso de Dona Cida começou a frequentar o Suvaco da Cobra, onde a mãe morava há mais tempo. Na noite anterior ao crime, ele foi visto entrando na casa de Dona Cida, ambos bêbados – a vítima era alcoólatra. No dia seguinte, ele desapareceu. Quando a filha de Dona Cida, Cícera Fidelis, foi procurar a mãe do suspeito, ambas choraram. “Ela disse que ele confessou. Disse que estava lá no momento, mas não foi ele quem cortou a cabeça”, lembra Cícera. A versão de que ele não agiu sozinho é tratada como mentira pelos familiares da assassinada.  A mãe do suspeito, temendo uma reação da comunidade, também se mudou.  

A linha do tempo traçada pela família indica que o suspeito entrou com Maria Aparecida na casa dela por volta das 22h do sábado (9), mas saiu pouco depois, quando possivelmente deixou o cadeado aberto. Ele teria ido à casa da mãe, onde pediu dinheiro ao padrasto e pegou uma muda de roupa – esse seria o momento em que pegara também o objeto cortante.  O homem, então, voltou. Maria Aparecida estava em sua cama. Teve a boca tapada com um pano enquanto era cortada no pescoço. Vizinhos contam que ainda escutaram um ganido. “Minha mãe era uma mulher que não queria ter relacionamento sério. Ela pode ter se recusado a deitar com ele, que não aceitou”, arrisca Maurílio.

O filho da vítima tem telefonado para o delegado responsável pelo caso, Osias Tibúrcio, com freqüência, cobra celeridade e respostas. Diz que os peritos pareciam desinteressados e com má-vontade. “Faltou interesse porque a gente é humilde. Se fosse alguém com dinheiro, eles teriam vasculhado tudo. A gente já tem tudo, nome do cara, foto, sabe os locais onde ele poderia estar. Por que ainda não foi preso?”. 

A coordenadora da Associação de Moradores de Novo Horizonte, onde a comunidade está inserida, Dayse Medeiros, suspeita que a diferença de intensidade na repercussão de casos semelhantes está relacionada com o poder aquisitivo. “A gente mora numa comunidade carente, historicamente esquecida, com poder público ausente. Acredita-se que nas comunidades a banalização da violência é comum, como se essas vidas que estão nas comunidades carentes, na periferia, não importassem”, avalia Dayse. 

O LeiaJa.com procurou o delegado Osias Tibúrcio para saber sobre o andamento do caso. Ele evitou dar detalhes para não atrapalhar as investigações, mas contou que está tudo encaminhado e que novidades devem surgir nos próximos dias. 

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