Coronavírus: um divisor de águas no mundo da música

Pandemia causou um grande impacto na indústria da música e descortinou novos caminhos para fazer e consumir esse tipo de arte

por Paula Brasileiro ter, 09/03/2021 - 08:00

Em março de 2020, decretos baixados por governadores de diversos estados brasileiros proibiram a realização de shows e outras atrações culturais com grandes públicos. A medida correspondia a um dos protocolos de segurança relativos à contingência do coronavírus no país e acometeu artistas e público. 

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O movimento visto em todo o mundo deixou apreensivos os profissionais da música, ao passo que festivais e apresentações iam sendo canceladas por todos os lados. Grandes eventos como Coachella, SXSW e Lollapalooza foram adiados ou cancelados em definitivo, bem como shows de nomes como Madonna, Metallica, Miley Cyrus e Alok. A crise abateu-se de forma feroz entre os trabalhadores da cadeia produtiva da música e a frase: “Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar”, começou a ser repetida nos quatro cantos do planeta.

Segundo levantamento do Data Sim — núcleo de pesquisa da Semana Internacional de Música de São Paulo, só no Brasil a Covid-19 causou um prejuízo de cerca de R$ 480 milhões, com o cancelamento de quase 8.200 eventos musicais que, juntos, atingiam aproximadamente oito milhões de pessoas. Os números foram levantados em entrevistas feitas no primeiro semestre de  2020 com 536 de empresas de diversas áreas como produtoras de festivais, agências de booking e casas de show, além de fornecedores de um mercado que envolve milhares de profissionais em suas operações. 

Sem ter como subir nos palcos e levar sua produção para a rua, músicos e outros trabalhadores dessa indústria viram as contas se amontoarem sem ter como dar cabo delas. A falta de trabalho pesou drasticamente entre os profissionais da música que precisaram se adaptar e se reinventar, ao passo que mantinham a veia criativa pulsando. 

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As temáticas e comportamentos do 'novo normal' passaram a dar mote para as produções musicais, a exemplo do que fez a banda The Zasters. 

Assim, um recurso já existente em plataformas como Instagram e YouTube começou a ser usado quase diariamente. As lives despontaram como estratégia para que cantores, cantoras, bandas e instrumentistas pudessem escoar sua música e ainda levantar alguma renda, através da contribuição geralmente espontânea do público. 

Os palcos virtuais funcionaram, também, para arrecadar donativos para comunidades carentes e até mesmo associações de trabalhadores da cadeia produtiva da cultura. Grandes nomes do cancioneiro popular brasileiro, como Gusttavo Lima e Marília Mendonça, chegaram a arrecadar em apenas uma apresentação online, mais de 300 toneladas de alimento e R$ 1,7 milhão em doações.

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Fosse em grandes produções, como as apresentações da Rainha da Sofrência e Wesley Safadão, que contavam com espaços publicitários nos valores de R$ 50 até R$ 500 mil, a lives mais intimistas, transmitidas das próprias casas dos artistas, esses shows virtuais serviram como alento para um público isolado e preso dentro de suas casa, bem como para os músicos afastados de seus palcos. Com o relaxamento das medidas de segurança, e a liberação de pequenos eventos, as lives diminuíram de frequência, no entanto, o agravamento da pandemia, nesse início de 2021, parece estar trazendo uma ‘segunda onda desse movimento’, sobretudo, motivada pela lei federal de incentivo Aldir Blanc, sancionada de forma emergencial para ajudar a classe artística. 

Processo Criativo

Toda a problemática acerca da crise sanitária impactou, não só os bolsos dos músicos, como também  mexeu com seus processos criativos. A necessidade de gerar renda deu as mãos à carência pela falta de um contato mais próximo com o público e motivou uma profusão de singles, clipes e discos. Uma produção que precisou adaptar-se à falta de dinheiro e equipe, por conta do distanciamento social e fez o ‘faça você mesmo’ ser mais necessário do que nunca. 

Além das redes sociais, os serviços de streaming se mostraram fundamentais para os artistas da música. Segundo a consultoria Counterpoint Research, serviços como Spotify, Apple Music, Amazon Music, entre outros, alcançaram um total de 394 milhões de assinaturas, no primeiro trimestre de 2020, um crescimento de 35%. No entanto, os baixos valores remunerados aos artistas, por conta de plataformas como essas, acabou motivando uma grande quantidade de lançamentos ao longo de todo o ano, muitos deles indo além das músicas individuais, os chamados singles.

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Foi o caso do cantor e compositor Júlio Ferraz. Ele lançou o disco Orbe Onírico no início de 2021, fruto de seu próprio confinamento. O artista diz que a pandemia lhe colocou em uma espécie de “transe” e que se ver diante de um problema coletivo de tamanha dimensão acabou afetando sua produção, a príncipio. 

No entanto, passado esse primeiro momento a composição acabou tomando conta da quarentena do músico levando-o a outros lugares de criação. “ Em meu processo criativo a pandemia me colocou em um lugar mais espiritual, crítico e político que em outros momentos da minha vida como compositor.Eu apenas queria fazer a minha parte, tinha e ainda tem muita gente confusa, negando ou sofrendo muito e, eu apenas queria dar um abraço nelas quando fiz  ‘Lampejos’,, trazer uma espécie de afago nesses momentos tão difíceis”. 

O músico Júlio Ferraz fez lançamentos, inclusive de um disco, durante a quarentena. Foto: Divulgação

A premissa continuou a mesma no surgimento de Orbe Onirico, um disco que se propôs a acolher o ouvinte ao passo que lhe abria os olhos para a gravidade do problema. A resposta do público foi positiva como uma prova mesmo de que a arte é capaz de transcender e aliviar qualquer dor. “Tive uma aproximação maior com quem escuta minha música, mesmo estando trancado e longe fisicamente, e tive respostas muito positivas. Muitos que só conheciam o meu nome passaram a ouvir, muitos que nem sabiam quem eu era passaram a descobrir minha discografia e com isso passei a receber muitos recados, todos sempre carinhosos”.

Futuro da música

O modo que consumimos - e fazemos - música vem mudando constantemente desde que o mundo é mundo. Com a pandemia do novo coronavírus, a digitalização dos processos - dos físicos aos criativos - tem sido cada vez mais intensa e, ao que tudo indica, a tendência veio para ficar. 

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Júlio Ferraz assim imagina, de forma otimista, vislumbrando um futuro positivo para os fazedores e consumidores dessa arte. “Tenho total certeza que (a pandemia) marca um momento dentro de um todo, afinal eu sempre fui artista e vou morrer sendo um, sempre produzindo arte. Acredito que daqui para frente vamos apenas continuar, a minha música não traz uma forma exata, nunca trouxe, eu nunca aceitei cadeados e, apesar de ser bem matemática a criação dos temas, a minha música é livre e dificilmente as formas se manterão ao exato. Hoje é isso, amanhã sem dúvidas será outra coisa, mas prometo que será algo bom, independente do formato e do método”.

Na próxima matéria, você vai ver como as artes cênicas se adaptaram ao contexto pandêmico e o que a classe espera para o seu futuro. 



 

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