Trap se estabelece em Pernambuco e ganha cena promissora

MCs e trappers pernambucanos têm fortificado o gênero para garantir ao Estado sua fatia na cena nacional

por Paula Brasileiro sab, 17/08/2019 - 11:40
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens D3, Joma, Suavinho e T-Bat são quatro representantes da cena trap que só cresce em Pernambuco Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Nascido no sul dos Estados Unidos, no fim da década de 1990, o trap - subgênero do rap - ganhou vulto e status no mainstream em meados da primeira década dos anos 2000. Nomes como Migos, Travis Scott, Lil Uzi Vert, Future e 21 Savage são apenas alguns exemplos do vasto celeiro de trappers gringos que colocaram o estilo no topo das paradas musicais, trilhas de filmes e até na boca dos cantores mais pop do momento, como Katy Perry e Lana del Rey. 

No Brasil, o estilo chegou por volta de 2014 um tanto tímido mas encontrando solo fértil para crescer. Segundo pesquisa feita pela plataforma de streaming Spotify, de 2016 até o primeiro semestre de 2019 o consumo de trap nacional cresceu em média 61% ao ano. O Sudeste  foi a primeira região a abraçar o estilo. Em Minas Gerais, uma cena já consolidada ostenta nomes como Sidoka, MC Caverinha, Chris MC e Delatorvi; em Guarulhos (SP), outros exemplos bem fortes no meio aparecem através de Raffa Moreira (Lil Raff), Klyn, Moah e Rare Kidd.

O Nordeste não fica de fora desse roteiro. O cearense Matuê aparece como um dos trappers de maior evidência nos últimos tempos e contabiliza 1,3 milhões de ouvintes mensais no Spotify. No Recife, uma cena abastecida de MCs, produtores e beatmakers começa a tomar corpo e chamar atenção com suas produções. Os artistas do trap pernambucano têm conquistado números expressivos nas redes sociais e até mesmo em eventos e festivais, a exemplo de Nexo Anexo - considerado um dos trapmakers precursores por essas bandas que conta com mais de 400 mil visualizações no YouTube. 

De casa para o mundo

Em sua grande maioria, os trappers pernambucanos trabalham como artistas independentes. T-Bat (Thiago Batista), Suavinho (Tadeu Paiva), D3 (Daniel Tríade) e Joma (João Marcelo), sabem exatamente o que é preciso para fazer esse 'corre'. Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, os MCs - o mais experiente está na cena desde 2016 - contaram o quanto é preciso ralar e como produzem seu som a despeito de todas dificuldades. 

Os quatro empregam seus próprios recursos nas gravações de músicas e videoclipes, no estilo 'faça você mesmo’'. Eles garantem que a maior diferença do que é feito em Pernambuco para o que já está consolidado em lugares como Minas Gerais e São Paulo, é o nível de profissionalismo dos envolvidos na cena. "No Sudeste a galera tem toda uma estrutura. Aqui temos muitos MCs bons que fazem muitas músicas, mas a gente como independente não tem dinheiro pra investir sozinho”, diz Suavinho. 

JomaA falta de conhecimento em relação ao 'fazer' da indústria musical, como entender sobre os processos que envolvem produzir, lançar e divulgar um trabalho, também fazem parte das dificuldades de artistas independentes como eles. Esse cenário vem mudando aos poucos e a busca por uma profissionalização tem sido preocupação constante, como explica Joma: "Quando eu comecei eu via que quase ninguém sabia o que tinha que fazer. A galera não enxergava que fazer música é um trabalho, antigamente estavam só preocupadas em soltar o som e esperar que alguém visse e desse certo e hoje em dia as pessoas estão indo atrás do que é preciso fazer pro trampo dar certo".

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--> Mas, afinal, qual é a voz da periferia?

O espaço para mostrar sua música também vem mudando. Apesar dos MCs reclamarem da falta de festas voltadas para o público do rap e trap especificamente, eles encontraram na parceria com uma outra cena local, a do brega funk, uma maneira de escoar sua produção e aumentar seu público. Os produtores de eventos têm misturado os estilos nas programações das festas e o resultado tem sido positivo para ambos. "Eles querem muito trabalhar com a gente do trap, até porque eles estão consumindo o trap", diz T-Bat. 

Para os trappers, o sucesso na parceria se dá pela familiaridade da sua música com o T-Batbrega funk. A estética dos dois costuma ser bem parecida, sendo ambos feitos para as pessoas se divertirem e dançarem sem a preocupação com uma mensagem mais profunda. A origem também é a mesma, a periferia, como explica Joma: "O funk,  brega funk e o trap conversam muito, a vivência dos caras e a origem também é muito parecida, até o jeito de se comunicar e se vestir. Tanto é que dá pra fazer trap com brega, com funk, o brega funk, dá pra misturar tudo pelas batidas, pelo BPM".  A exemplo do que faz o trapper pernambucano HoodBob.

Sendo assim, trap e brega funk, em Pernambuco, compartilham público e espaços, além de outro item significativo,  as polêmicas. O trap pode atrair olhares tortos pelo tom de suas letras que versam sobre violência, dinheiro, ostentação, álcool e sexo. "É um gênero que mexe com coisas que podem causar muita polêmica, mas tem como falar sobre essas coisas sem ser de uma forma ofensiva. Mas é um gênero que é sujo", explica Joma. 

SuavinhoA forma de retratar a mulher e o corpo feminino, com tom pejorativo e até mesmo agressivo tem sido motivos de críticas. Suavinho defende seu segmento: "Depende de cada MC, eu tenho bastante limite. Eu não vou escrever algo que não vai condizer com o que eu acredito. Eu não vou desrespeitar ninguém, nem mulheres". Já T-Bat vai na origem do gênero para falar sobre o tema: "Acho que no trap existe esse limite até pelo modo que começou, como é uma evolução do boom bap que é a mensagem, acho que isso influenciou da gente ter um certo limite". Suavinho complementa: "Acho que quem começa diretamente no trap não tem muito essa mentalidade". 

Eles explicam que o fundamento do trap é divertir. Desse modo, não há uma preocupação com letras e mensagens mas sim com beats, flows. Apesar disso, as temáticas geralmente abordadas podem incomodar aos ouvidos mais conservadores e gerar certo preconceito com o estilo. Essas são outras dificuldades que os MCs garantem também estar diminuindo. "O trap não tem intenção nenhuma de impactar com as letras. Tem quem faça trap com as letras assim, não tem uma regra, mas a intenção do trap é ser mais musical, com as melodias, com o flow, mais preocupado com a estética", afirma Joma. 

Pavimentando

D3Em uma cena que está aprendendo a caminhar, a vontade de fazer acontecer é o que tem motivado esses quatro trapmakers. Do home studio de T-Bat tem saído inúmeras produções que ele produz não só com os amigos mas com outros trappers que surgem a todo momento. "Se você olhar como um todo o trap ainda é um bebezinho, ele tá se tornando um menininho, e para se firmar mesmo vai ser daqui a um tempo. Eu vejo a gente como a base do que está por vir". D3 acrescenta: "O que a gente tem feito acaba movimentando mais (a cena). A gente tá saindo na mídia e o pessoal vai chegando. Alcançando esses espaços a gente consegue fazer a cena toda se movimentar. A  gente tá caminhando pra crescer".

Trapseries 150 BPM

A vontade de crescer fez T-Bat, Suavinho e D3 criarem o projeto Trapseries 150 BPM. A ideia é produzir os chamados 'feats', músicas com a participação de vários MCs, para que todos possam ter um espaço nessa grande vitrine. O primeiro som, Super Oxe Gang, reuniu dez trappers, todos "locais", como frisa D3, e cada um botou sua cara no tempo que lhe cabia na faixa. "A ideia real é mostrar todo mundo e mostrar que todo mundo faz parte de uma cena só", explica T-Bat. O Trapseries já tem duas novas músicas em desenvolvimento, a primeira pode ser conferida no YouTube. 

  

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