Pedreiro e artista, Zé de Mandacaru apresenta exposição

por Marília Parente sex, 15/12/2017 - 15:29
Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens Zé transporta suas telas de sua casa, em Dois Irmãos, para a galeria, em Casa Amarela, de bicicleta Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

São cinco horas e meia da tarde e Zé de Mandacaru aguarda, no jardim da galeria de arte da arquiteta Carmem de Andrade Lima, em Casa Amarela, uma repórter atrasada. Um complicador para quem já não gosta de falar ou dar entrevistas. As apresentações são feitas e a resposta para a maioria das perguntas é “porque sim”. O silêncio, contudo, logo é preenchido pelas 103 telas pintadas pelo artista espalhadas pelo ateliê. Mulheres, animais, objetos e criaturas fantásticas dispensam explicações ou sentido. “Eu pinto o que vem na mente”, afirma, repetindo o nome da segunda exposição individual de sua carreira como artista, com inauguração marcada para as 18h do próximo sábado (16). 

Nascido José Antônio Gonçalves, o artista precisou deixar sua cidade natal, Gravatá, no agreste pernambucano, quando a usina em que trabalhava faliu. “Desprezado (demitido) em Chã de Alegria, me chamaram pra ir pro Rio de Janeiro. Passei um mês sozinho, sem trabalho, até que um conhecido me chamou para trabalhar numa empresa que fazia navio. Passei de sete a oito meses como marinheiro e vim embora para Pernambuco, para a casa de meu pai”, conta. 

Zé expôs em galerias internacionais e já participou de cinco mostras coletivas. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Foi quando surgiu a oportunidade de trabalhar como vigilante da galeria de arte do pintor e escultor Romero de Andrade Lima. “Disseram para mim: ‘Zé, tu tem que pegar nesses pincéis’, eu respondi: ‘já sei, já pintei navio!’. Peguei os rabiscos que sempre fazia no papel e passei pra tela”, lembra. A força das obras logo chamou a atenção de Romero de Andrade e de outros artistas que frequentavam seu ateliê. “Tinha um ‘curiosinho’ chamado Maurício Silva que me perguntou se eu conhecia Mandacaru, que fica em Gravatá. Eu disse que sim e ele respondeu que meu nome seria ‘Zé de Mandacaru’”, explica a assinatura.

 Com o convite para trabalhar como pedreiro na residência e galeria de Carmem de Andrade, familiar de Romero, veio o de montar a primeira exposição. “Amamos o trabalho dele e em 1996, realizamos sua primeira exposição, com 40 miniquadros. Os artistas não gostam de classificar seus trabalhos, mas pesquisando a obra dele, eu e Romero concluímos que ela pode ser enquadrada na arte bruta”, comenta Carmem. De acordo com a curadora da atual exposição de Zé, o conceito foi criado pelo artista francês Jean Dubuffet, para designar trabalhos que não seguem tendências artísticas. “Não há uma técnica específica, instrução, curso de pintura ou intenção de mostrar, divulgar os trabalhos. A pessoa simplesmente pinta o que sente, é a arte mais pura que existe”, opina.

Quadros constantemente tem como temática mulheres, animais e criaturas fantásticas. (Rafael Bandeira/ LeiaJá Imagens)

Após a primeira mostra, Zé de Mandacaru teve seus trabalhos expostos em importantes galerias como a Pullitzer Art Gallery, em Amsterdam, na Holanda, e participou de algumas exposições coletivas. Embora seus quadros tenham cruzado o Atlântico, Zé permaneceu em Recife, tentando conciliar a pintura ao ofício de pedreiro. 

Este ano, Carmem de Andrade se dispôs a fazer a curadoria e abrigar uma nova exposição individual do artista, intitulada com o jargão dele: “eu pinto o que vem na minha mente”. “Quando eu largava do serviço, às cinco da tarde, chegava em casa, sentava num canto e ia desenhar. Porque eu não pinto logo não, eu desenho e depois cubro com tinta”. Não tenho muito tempo, mas não é questão de tempo e sim de se interessar. Amo pintar”, afirma o artista, que criou todas as obras da mostra em apenas dois meses. “Cheguei a fazer 15 numa só noite”, completa. 

Carmem de Andrade Lima é curadora da nova exposição do artista. (Rafael Bandeira/ LeiaJá Imagens)

Depois de prontos, os desenhos foram transportados pelo próprio Zé para a galeria onde serão exibidos. “Eu pinto na minha casa, em Dois Irmãos, e trago para cá, em cima da bicicleta”, aponta para sua velha Monark preta sem freios. Destemido, o artista se prepara para receber jornalistas, admiradores e críticos em sua nova exposição, no espaço onde ergueu escadas e paredes. “Para mim, ser pedreiro é arte quando a gente cola aquelas pedrinhas de cerâmica no chão, uma por uma. Aquilo dá trabalho e uma boa obra de arte da trabalho”, coloca. Apesar do gosto pela construção, Zé confessa que, se pudesse, “vivia de arte”.  “Nossa expectativa é a de vender algumas obras dele para que ele também tenha a pintura como fonte de renda”, afirma Carmem de Andrade. 

SERVIÇO// Exposição "Eu pinto o que vem na minha mente"

Onde: Rua Dona Rosa Fonseca, 75, Casa Amarela

Quando: Sábado, às 18 horas

Entrada: Gratuita 

 

COMENTÁRIOS dos leitores